III-A necessidade faz o sapo pular (Terceira parte)
“Depósito e distribuição matutina de pães”
Esta atividade viria depois dos Beijus e da Pipoca Japonesa, mas, antes, houve uma tentativa de comercialização de bananas vindas do litoral, mais precisamente, de Santos/SP.
Meu pai fez uma sociedade verbal com seu amigo Zé Carlos, dono de uma mercearia na esquina da “caixa dágua do Porto“, onde ele costumava passar para tomar um “vinhozinho” e bater um papinho.
Modus operandi: um amigo do Zé Carlos traria as bananas de Santos, uma vez por semana. O tio Irineu (lembram-se da crônica anterior?) percorreria as ruas da cidade com uma carrocinha, vendendo as bananas. Eu me candidatei como ajudante voluntário.
Detalhe importante: a égua que puxava a carrocinha chamava-se “Brasilina“, e era uma pangaré que causava pena. Até tentamos fazê-la comer umas bananas, para ver se melhoraria a performace. Mas ela não comeu, não!! Eu e o tio Irineu comemos muitas, porém, evitamos ajudar a Brasilina. Afinal, nós, bananeiros, sim!! Nós, bananas, não!!
Ah!! E a carrocinha, tão velhinha, carregada, não desmontava com o movimento, porque, acho que havia algum anjo-da-guarda-carroceiro de plantão, e que muita tinha piedade de nós, segurando as pontas (seriam as rodas?!). É que, até hoje, eu penso que era esse anjo que impedia que as rodas saíssem do eixo. Será que o anjo era mecânico também?!
Alguém já viu rodas de charrete com movimentos circulares simultâneos, de rotação e translação, uniformemente variados de redondo para oval, e vice-versa??!! A nossa tinha…Na verdade, nesta charrete, as leis da Física foram ignoradas. Valeria um Nobel?!
Duração do empreendimento: pouco mais de três meses e fim!! “Não dava para o fumo“. (lembram-se da crônica anterior?)
Felizmente, logo em seguida, o tio Irineu se deu bem com a comercialização de “Raspinhas“, que eram sorvetes obtidos de gelo raspado, e posteriormente, adocicados com licores apropriados.
Como meu pai cedeu, gratuitamente, o direito de comercialização das Raspinhas para o tio Irineu, para ajudá-lo, embora tivesse criado toda infra estrutura do empreendimento, eis que teve outra ideia genial para compensar: Abrir um “Depósito de Pães“.
Lembram-se da padaria do Zé Scatolim, citado na quarta parte da crônica anterior: “Meu pai comprou um terreno. Nascia um agricultor familiar socioambientalista apaixonado e voluntário”.
https://www.agazetadelavras.com.br/iv-meu-pai-comprou-um-terreno-nascia-um-agricultor-familiar-socioambientalista-apaixonado-e-voluntario-quarta-parte/
Este Depósito de pães, era um pequeno cômodo de minha casa, com porta voltada para a rua, no qual instalou-se um balcão, próprio para acondicionar os pães produzidos na padaria do Zé Scatolim.
Todos os dias, por volta das 4h30 da manhã, o Zé Scatolim trazia os pães para o Depósito. Aos sábados, domingos e feriados, 5h30. Cabia a mim (ofereci-me voluntariamente), logo em seguida, entregar de bicicleta, os pães nas casas dos fregueses agregados.
Fazia isso, todos os dias: “pulava” da cama às 5h da matina, e pouco antes das 6h, iniciava as entregas domiciliares. Pedalando, pedalando… Será que fui o precursor do “morning coffee delivery“??!! Lembrem-se de que na década de 60, até telefone era raro!!
A forma curiosa como meu pai adaptou a bicicleta para estas entregas, foi marcante. Quem se lembra, ou já ouviu falar das: “Cestas de Natal Amaral“? Pois é, ele adaptou uma Cesta de Natal Amaral no bagageiro de sua bicicleta marca “Phillips”, muito antiga, e ficou “chic nu úrtimu“.
Em uma das casas em que eu entregava pães, havia um cachorro linguiça (Dachshund), que me atacava furiosamente, toda manhã, quando eu entrava no local, para por os pães em cima de uma mesa, na área de serviço da casa. Era uma verdadeira epopeia recorrente: entrar, por os pães na mesa, proteger os calcanhares e sair de ré, declarando alto e em bom tom, o famoso mantra anti canino: “Passa, passa, tiuuu…xô, xôooo“.
Após muitos ataques, mesmo sem nenhum ferimento, contei o drama diário para meu pai. E ele redarguiu:-Amanhã eu vou com você. Nós vamos entregar os pães de camionete (Marca Studebaker. A gasolina. Só pegava no tranco e apaixonada por oficina – quase não saia de lá).
Quem conhece ou conheceu um pão francês chamado “bengala“? O pão bengala é comprido e tem a casca grossa e bem torrada (foto).
Quando chegamos a tal casa do tal cachorro, vi que meu pai escolheu um pão bengala bem comprido, e com uma casca evidentemente mais dura. Estranhamente, ele pegou o pão por uma das extremidades, como se fosse um porrete, dispensando o papel de embalagem em embrulho.
–Você fica aqui e me espera, disse-me ele.
-Pai, o Sr. pegou só um pão. Tem que ser três, retruquei.
-Espera…os outros dois, a gente entrega depois.
-Ai, aiai, o que o Sr. está querendo fazer?
Ele não respondeu, entrou na casa com o pão que mais parecia uma clava de guerra, e logo em seguida, ouvi a conhecida “latição” do cachorro e subsequentemente um som seco de pancada, assim: tummmm….Em seguida: o caim, caim, caim, caim…..do cachorro em disparada para o quintal da casa.
Lá vem meu pai, com um sorriso bem sarcástico.-Dei tamanha “pãozada” na cabeça do cachorro, que o pão espatifou-se em mil pedaços.
Eu entrei na casa, consegui recolher os pedaços do pão agressor e também deixar os três pães bengalas encomendados, em cima da mesa, normalmente.
A partir dessa “degladiosa” manhã, quando eu entrava na casa para entregar os pães, o cachorro linguiça sumia para o quintal, e nunca mais me incomodou. Ô alívio…sô.
A bem da verdade, informo que o dono da casa e nosso freguês, foi ao Depósito, na mesma manhã, perguntar o que tinha acontecido com o “padeirinho“, porque ele tinha escutado um movimento diferente naquela manhã.
Meu pai respondeu: -Que eu saiba, nada!! Apenas meu filho falou que o totó estava muito agitado, e desandou a ganir alto, quando ele entrou. Só isso…!!!
Totó, porque nunca soube seu verdadeiro nome, cachorro linguiça da raça Dachshund, cruel agressor diário de um jovem voluntário entregador de pães. Você foi o responsável pela criação de dois novos termos para a língua portuguesa: “pãozada” e “degladiosa“. Parabéns e grato!! Desculpa qualquer coisa, tá??!!
Continuei a entregar pães nas frias manhãs de Porto Ferreira, até 1969, quando matriculei-me no curso colegial de Pirassununga e tive que tomar o trem da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, o trem da Paulista, toda manhã, para ir estudar.
Foi então que meu pai arrendou o Depósito e a entrega de pães para um terceiro, que nunca pagava o aluguel em dia. Resultado: Chega de Depósito de Pães São João. Tá acabado. O local foi reformado e alugado para um dentista recém formado, que pagava o aluguel direitinho. Ô graninha boa, hem pai??!!
Mas, em tempo. Penso em relatar também, as aventuras do comércio de enlatados e embalados, nas fazendas do entorno da idade. Atividade paralela ao Depósito de Pães, porém, realizada aos domingos, tendo como guia, o Salim Turco, conhecido comerciante ambulante de bugigangas, cacarecos e algumas utilidades domésticas.
Meu Deus, parece que estou vendo o Salim, carregando sua enorme mala de artigos para comércio. Chapeuzão de palha entalado na cabeça, paletó preto, com formato de sobretudo. Barba sempre por fazer.
Sotaque libanês bem acentuado:-Bamos, bamos Sô Jão, dá na hora de ganar dineirinho nas bazendas. Hojiii vá sê bommm!!!
Na próxima semana, continuaremos o assunto. Aguardem!! Vem aí, o bar no Clube de Campo das Figueiras, e a charrete que tombou na ribanceira.
“A vida é como andar de bicicleta. Para manter o equilíbrio, você deve continuar se movendo”. Einstein
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